O que nos torna éticos?
- munirantun
- 19 de mai. de 2017
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O ser humano não se torna iluminado ao imaginar figuras de luz, mas ao conscientizar-se da escuridão. C. G. Jung
A questão da ética é algo que vem sendo discutido ao longo dos tempos e das civilizações, passando pelos filósofos, religiosos, pais, educadores, políticos, sociólogos, psicólogos, enfim por todos os cidadãos e por todas as sociedades.
Aprendemos desde muito cedo que existe um lado certo e um errado; um lado bom e um lado ruim; um lado ético e um anti-ético.
E que, em sendo assim, devemos escolher o lado certo, qual seja o lado bom, ético. Automaticamente, devemos ao mesmo tempo, suprimir ou reprimir o outro, para não corrermos o risco de sermos tentados pelo mal.
Acreditamos, deste modo, estar no caminho correto e, portanto, seremos recompensados pela nossa escolha, pois, afinal, fizemos o que nos foi ensinado e nos livramos do lado escuro e perigoso.
Ao pensarmos que estamos no caminho da retidão e que somos o lado “bom” estamos caminhando exatamente para o contrário.
Recentemente, uma pessoa muito simples veio me perguntar por que motivo justo ela, que fazia tudo certo, trabalhava honestamente, era religiosa e não prejudicava ninguém, estava sendo atacada pelos vizinhos, que não gostavam dela e queriam prejudicá-la, de forma gratuita. Por que eles eram tão maus?
Como explicar a alguém com poucos conhecimentos sobre a vida e sobre si mesma que, apesar de toda a conduta “honesta” que ela praticava, ainda assim havia um lado perverso, anti-ético e ruim dentro dela própria?
Não é fácil. Nem um pouco. Deparo-me com esta questão quase todos os dias no meu trabalho. Eu também tive que olhar para isto e entender o que se passava comigo. Nas crises e nas angústias, fui obrigada a olhar para o meu lado escuro e sombrio.
Sim todos nós, sem exceção, possuímos um lado ignorado e desprezado chamado de “sombra”. O lado que contém os nossos maiores temores e a maior escuridão. O lado que não somos capazes de imaginar que, sequer, possa fazer parte de nós. É exatamente a nossa outra metade.
O que vemos e mostramos para o mundo é só um lado. E quanto ao outro? O que ele contém? Ele contém tudo aquilo que rejeitamos ao longo das nossas vidas. Tudo aquilo que desprezamos por entender que não poderíamos a eles sucumbir; tudo que não fosse aceitável, não só para nós, como para a sociedade à nossa volta.
Robert Bly[1] compara a formação da nossa sombra com uma sacola invisível que carregamos atrás de nós e que, ao longo do tempo, fica muito comprida e pesada, exatamente por conter todas as coisas que rejeitamos por anos!
A sombra sempre nos chama, de diversas maneiras, para que olhemos para ela e a percebamos. Se nos recusarmos reiteradamente a fazê-lo, estamos caminhando para sermos tomados por ela.
É o que acontece, por exemplo, com o político que sempre pregou sua incorruptibilidade, ou o religioso que apregoa seus dotes morais e de bons costumes e que, posteriormente, são surpreendidos praticando corrupção, no caso do primeiro, ou agindo contra a moral religiosa e social, no caso do segundo.
Temos visto exemplos assim todos os dias, em todos os locais e em toda a história da civilização humana.
Este tipo de situação ocorre porque é exatamente neste lado sombrio que estão todos os aspectos da maldade, da perversão e da falta de ética dos quais tentamos fugir e ignorar. Mas nunca é possível fugir deles, pois são parte de nós.
Muitas vezes, nossa única saída é reconhecê-los como pertencentes a nós mesmos e entender a razão de terem se formado e estarem ao nosso lado.
Assim, ao reconhecermos nossa sombra como nossa companheira obscura e negligenciada, estaremos dando a ela e, acima de tudo, a nós mesmos, a chance de conhecer um outro lado, que por tanto tempo esteve conosco e que, agora, precisa vir à luz.
Embora este outro lado possa, em muitos casos, conter aspectos que entendemos ser negativos, é exatamente lá que está nossa resposta para muitas das nossas questões.
Nunca soube o autor desta frase, mas a acho perfeita: “Não me tirem os meus demônios, senão os meus anjos me abandonam”.
É exatamente a questão aqui abordada: se não olhamos para um lado, não podemos ter o outro. Se não somos capazes de enxergar em nós mesmos coisas que consideramos ruins, também não podemos ter o bem como parte integrante do nosso ser.
Erich Neumann, em seu livro “Psicologia Profunda e Nova Ética” aborda de maneira brilhante estes aspectos e mostra, ao final, que ética não é algo que possa ser dado por diretrizes, regras e leis determinadas e que, se as seguirmos, estaremos no caminho do bem.
Ética é, acima de tudo, aquilo que se forma dentro de nós, quando somos capazes de reconhecer que a dualidade de todos os aspectos aqui abordados somente se deve à nossa incapacidade de vê-los e entendê-los de modo singular e integrado.
Quando somos capazes de olhar para o outro lado, as metades se unem, e nosso eu se completa. Nesta hora, temos a certeza e a tranqüilidade de que algo verdadeiramente ético se formou em nosso ser.
[1] Ao Encontro da Sombra. “A comprida sacola que arrastamos atrás de nós”, Connie Zweig e Jeremiah Abrams, pp. 30 e 31